A contratação de PcDs e atendimento da cota legal pelo empregador
por Douglas Aquino Fernandes
O trabalho é um direito constitucional de todo brasileiro, sendo a sua garantia um dever do Estado, que, para fazê-lo, adota postura ativa, regulando as relações de trabalho por meio de atuação legislativa, fiscalizatória e judicial, além de criação e aplicação de políticas públicas que visem o fomento do mercado de trabalho.
Essa atuação do Estado torna-se ainda mais incisiva quando direcionada a grupos comumente excluídos do mercado de trabalho, caso em que adota políticas e legislações afirmativas, de modo a instituir incentivos, obrigações ou sanções às empresas, visando a inclusão desse contingente de trabalhadores no mercado de trabalho.
É neste sentido que se justifica a reserva de cargos para as Pessoas com Deficiência – PcD -, que diante de suas particularidades físicas ou mentais, historicamente possuem maior dificuldade de ingressar no mercado formal de trabalho.
A Lei 8.213/91 determina que toda a empresa com mais de 100 empregados não apenas resguarde vagas, mas aja ativamente para incluir em seu quadro um percentual mínimo de pessoas com deficiência, calculado a partir do número de celetistas contratados que a empresa detém, na seguinte proporção:
Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:
I - até 200 empregados...........................................................2%;
II - de 201 a 500...................................................................3%;
III - de 501 a 1.000...............................................................4%;
IV - de 1.001 em diante. ........................................................5%.
Ressalve-se que na formação da base de cálculo da cota excluem-se os PcDs integrantes do quadro de empregados, além dos estagiários e aprendizes.
Ainda, para o desligamento de um empregado com deficiência, é necessária a comunicação ao órgão competente de fiscalização (Secretaria Especial de Trabalho e Emprego), bem como a contratação prévia de outro profissional com deficiência para sua substituição, à exceção dos casos em que, mesmo com o desligamento do colaborador, a empresa mantenha cumprida a cota legal.
Para garantir o cumprimento da legislação trabalhista, a Secretaria Especial do Trabalho e Emprego, por meio das Superintendências Regionais do Trabalho, realiza fiscalização periódica nas empresas para identificar descumprimentos, inclusive da cota legal de PcDs. A não observância do percentual mínimo pode levar a autuação administrativa, resultando em multas que variam de R$ 2.331,32 a R$ 233.130,50, a depender da gravidade da infração. Neste caso, identificado o não preenchimento da cota mínima, é aplicada multa, havendo poucas possibilidades de justificação, ou convencimento do ente administrativo.
Ainda, o descumprimento da cota de PcD da Lei 8213/91 pode ensejar denúncias ao Ministério Público do Trabalho, o que pode levar ao ajuizamento de Ação Civil Pública, em que será apurado o percentual de preenchimento da cota, as ações realizadas pela empresa para buscar o cumprimento, além da responsabilidade da empresa com relação ao não preenchimento. Em caso de condenação, é possível a imposição de multa por vaga não preenchida e/ou condenação em dano moral coletivo, ambos fixados de acordo com a capacidade financeira da empresa, bem como com o número de vagas não preenchidas.
Portanto, diante da gravidade das sanções e da necessidade de observância constante da cota legal, é necessário que as empresas se estruturem internamente visando o preenchimento da cota, adotando diferentes ações afirmativas e fomentando uma cultura de aceitação à diversidade, assim como construção de processos internos para contratação de pessoas com deficiência.
É sabido que as empresas enfrentam dificuldades em preencher a cota legal, seja para encontrar profissionais que se enquadrem nas vagas disponíveis, em razão do turnover, da dificuldade de retenção de PcDs, em razão da natureza da atividade exercida – que muitas vezes exige formação específica -, da localidade da empresa ou de aspectos imprevisíveis e extraordinários, como no caso da emergência sanitária decorrente do Coronavírus.
Conforme mencionado, no âmbito administrativo há pouca chance de discussão acerca do contexto que levou ao descumprimento da cota, mas no âmbito judicial o próprio Tribunal Superior do Trabalho possui precedente no sentido de que, comprovado o esforço da empresa em preencher a cota e a real impossibilidade/graves dificuldades de contratação de PcDs, há a possibilidade de afastamento da multa por descumprimento e de eventual condenação a título de danos morais. É o caso do julgado abaixo, aqui citado a título de exemplo:
RECURSO DE REVISTA DA UNIÃO. CONTRATAÇÃO DE PORTADORES DE DEFICIENCIA. RESERVA LEGAL. IMPOSSIBILIDADE DE CONTRATAÇÃO. COMPROVAÇÃO. O artigo 93 da Lei 8.213/93 é claro e objetivo ao impor a contratação de empregados portadores de necessidades especiais em percentuais fixados de acordo com o total de empregados. Verificado o descumprimento, cabe ao órgão fiscalizador a aplicação de multa. Eventual exclusão da obrigação de preenchimento de cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência só se justificaria se demonstrada impossibilidade total de a empresa contratar empregados que se enquadrem como reabilitados ou portadores de deficiência. No presente caso, o quadro fático delineado pelo v. acórdão recorrido é no sentido de que a reclamada tem envidado esforços no sentido de cumprir com as exigências legais para a contratação de pessoas portadoras de necessidades especiais. Incidência da Súmula 126/TST. Precedentes. Recurso de revista não conhecido.
(TST - RR: 1257002820125170014, Relator: Emmanoel Pereira, Data de Julgamento: 17/12/2014, 5ª Turma, Data de Publicação: 06/02/2015)
Todavia, não basta a comprovação de esforços mínimos ou de mera procura por PcDs, sendo necessária prova robusta de que a empresa, de fato, esgotou todos os meios à sua disposição para cumprimento da cota e que a impossibilidade de contratações em número adequado realmente aconteceu por fatores alheios a sua vontade.
Outra questão relevante é que, mesmo no caso de exclusão da multa após a análise judicial, como foi o caso do precedente acima, ainda subsiste o dever de cumprimento da cota legal, assim como a possibilidade de novas fiscalizações no futuro. Por isso, é necessário que a empresa prossiga envidando esforços em preenchê-la, sem prejuízo de, quando receber nova autuação, busque novamente demonstrar que mesmo com as ações efetivas tomadas, o contexto impossibilita o seu fiel cumprimento.
Portanto, o ponto central a ser observado pelas empresas é a construção de processos internos que visem a contratação e manutenção dos profissionais com deficiência em seus quadros. Conforme visto acima, não basta a demonstração de dificuldades no preenchimento da cota mínima, mas é necessário demonstrar que a empresa busca incessantemente seu cumprimento.
Para tanto, há inúmeras ações que podem trazer bons resultados na captação de profissionais e também serem bem vistas pelos auditores, procuradores e juízes do trabalho, servindo como fundamento de defesa em caso de acionamento administrativo ou judicial.
Inicialmente, sempre que possível recomenda-se a abertura de vagas exclusivas para pessoas com deficiência, sem as excluir, evidentemente, das vagas de concorrência geral.
Para captação de empregados com deficiência, pode-se firmar parceria com instituições especializadas, como as APAEs, ou outras entidades representativas, bem como com o INSS, SINE, agências do trabalhador e outras agências de emprego. Ainda, é possível firmar contratos com sites privados de captação de talentos, que possuem serviços especializados em contratação de profissionais com deficiência, aumentando o número de candidatos disponíveis às vagas da empresa.
Outra possibilidade, viável especialmente para empresas de grande porte, é atuar em parceria com entidades especializadas, ou mesmo com formação realizada pela própria empresa, em cursos de capacitação e formação profissional que possibilitem a contratação e a manutenção de profissionais com deficiência mesmo em atividades que demandam conhecimentos específicos e aprofundados.
Outro expediente atualmente utilizado por empresas é a contratação de paratletas profissionais para seus quadros, ação que, inclusive, possui impacto positivo de publicidade, possibilitando à empresa estampar sua marca nos uniformes dos paratletas em competições nacionais e internacionais.
Em casos nos quais a empresa atua em atividades de risco que não possibilitem contratação suficiente de PcDs, pode-se adotar medidas complementares, contratando profissionais para as atividades administrativas, somado a ações de apoio a entidades de formação profissional para pessoas com deficiência, entidades representativas ou que somem à qualidade de vida e lazer de pessoas com deficiência.
A criatividade empresarial pode e deve ser aplicada também para superação dos obstáculos postos no preenchimento das cotas de PcD, formulando políticas internas de incentivos para retenção de profissionais com deficiência, estabelecimento de processos internos de divulgação, informação, captação, formação e contratação de pessoas com deficiência e buscando a criação de ambientes inclusivos e diversos.
Estudos realizados pelas maiores empresas de auditorias multinacionais, como Michael Page e Mckinsey & Company, identificaram que empresas que adotam quadro inclusivo de empregados têm aumento de, em média, 20% de suas receitas, além de incrementar a sua imagem, especialmente em um momento em que a diversidade é buscada pelas maiores empresas do mundo e bem vista pelo público em geral.
Assim, posto o dever de preenchimento de percentuais que variam de 2 a 5% do total de empregados por profissionais com deficiência, torna-se essencial a adoção pelas empresas de medidas proativas pra o cumprimento da obrigação legal, o que, se bem conduzido, pode trazer inclusive benefícios diretos ao ambiente de trabalho, produtividade, imagem da empresa e saúde financeira, mas em caso de descumprimento reiterado pode causar substancial prejuízo financeiro e resultar em passivo trabalhista indesejado.