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A controvertida obrigatoriedade de abertura de CAT em casos de COVID-19

30

dez

A controvertida obrigatoriedade de abertura de CAT em casos de COVID-19

por Bruno Michel Capetti e Sérgio Rocha Pombo

Introdução

Conforme já adiantamos no título, o tema é extremamente controvertido e ainda temos poucas decisões norteadoras, já que a maioria dos processos tratando do assunto ainda estão em face inicial.

No auge da pandemia, em meados de 2020, houve uma “chuva” de normativas sobre o reconhecimento (ou não) da contaminação pelo COVID-19 como sendo doença ocupacional. Todavia, transcorrido mais de um ano continuamos com um cenário de incertezas e de insegurança jurídica: de um lado, o Ministério da Economia diz que, enquanto regra geral, o Covid não é doença do trabalho, e, de outro lado, o Ministério Público do Trabalho diz exatamente o oposto, que todo empregado contaminado deve ser considerado como portador de doença ocupacional e os médicos do trabalho devem orientar pela abertura da CAT em todos os casos.

Ambos os posicionamentos estão em notas técnicas e atos normativos oficiais expedidos por parte de cada um destes órgãos e daí floresce o cenário de insegurança, pois temos normativas vigentes – com finalidade justamente de orientação - absolutamente contraditórias.

Diante desse contexto, podemos separar a análise de riscos relativos ao nexo entre a COVID e o ambiente de trabalho em três tópicos principais, são eles: afastamentos previdenciários, abertura ou não da CAT e riscos de ações trabalhistas. Vejamos:


Afastamentos previdenciários

Em âmbito previdenciário, a Covid-19 é considerada como regra uma doença comum e, a rigor, o empregado receberia apenas o benefício do auxílio-doença em caso de contaminação e necessidade de afastamento.

Contudo, a COVID pode ser caracterizada como doença do trabalho quando restar comprovado que as condições de trabalho geram um risco acentuado e concreto de contaminação, através de profunda e minuciosa investigação do histórico profissional, com respaldo no inciso II do artigo 20 da Lei nº 8.213/1991. Como exemplo, temos justamente a situação delicada de empregados que trabalham no setor de saúde, especialmente aqueles da linha de frente da assistência e que mantém contato direto com pacientes contaminados.

No mesmo sentido, a COVID também pode ser reconhecida como acidente de trabalho por equiparação, na hipótese em que a doença seja proveniente de contaminação acidental do empregado pelo vírus no exercício da sua atividade, com fundamento no art. 21, inciso II da lei mencionada. Citamos como exemplo o empregado que teve contato pessoal com outro colaborador contaminado no local de trabalho antes deste ser afastado ou de ter ciência da contaminação, e após, apresentar os sintomas e a testagem positiva do vírus, ficando evidente o contato entre ambos e, consequentemente, a plausabilidade da transmissão ocorrida no ambiente de trabalho.

Em outras palavras, embora não haja uma presunção direta de que o empregado se contaminou no trabalho, isso poderá ser reconhecido mediante perícia previdenciária. Neste caso, a exceção, o INSS poderá conceder ao empregado o benefício do auxílio-doença acidentário, hipótese em que o FGTS deverá ser recolhido durante o período de afastamento e gerará direito à estabilidade provisória no emprego. Logo, o empregador deverá acompanhar de perto a concessão de benefícios previdenciários decorrentes de empregados contaminados com COVID-19, pois pode ser que haja conversão do benefício concedido para a modalidade acidentária, ainda que declarado o estado de transmissão comunitária.


Abertura de CAT

O empregador, através de sua medicina do trabalho, deve investigar casos de contaminação, para avaliar a pertinência de ter acontecido no trabalho, entrevistando o empregado e colhendo informações a respeito do seu histórico. Caso haja parecer técnico conclusivo nesse sentido, então a CAT deveria ser aberta.

Na prática, temos observado que os médicos do trabalho estão bastante receosos em reconhecer ou não a contaminação do empregado no trabalho, justamente porque é muito difícil ter certeza e clareza quanto à real origem da contaminação, e por isso pouquíssimas CATs têm sido abertas por COVID-19, sobretudo quando leva-se em consideração o histórico de lazer, entretenimento, convívio familiar e social do empregado durante o procedimento investigativo, além do próprio estado de transmissão comunitária.

Claro que o raciocínio acaba ganhando ainda maior complexidade quando aplicado aos ambientes hospitalares, mas, nesse caso, a investigação é ainda mais necessária. Isso porque, há uma tendência de presunção de contaminação no trabalho pela própria natureza da atividade, logo é primordial que todos os outros aspectos da vida do empregado sejam investigados amplamente, especialmente para que essa presunção não “camufle” eventuais contágios que aconteceram fora do estabelecimento do empregador (eventos particulares, festas, confraternizações, segundo vínculo de emprego, contato com familiares, esportes, vida social ativa, entre tantos outros).
Nesse aspecto, o papel da medicina do trabalho ganha ainda mais destaque e força, sobretudo para aprofundar com detalhes e documentar o histórico social e profissional dos empregados eventualmente contaminados, a fim de que a decisão pela abertura ou não da CAT seja conduzida com prudência e assertividade.


Ações trabalhistas

Nos processos trabalhistas que discutem o enquadramento da COVID-19 como doença ocupacional e direitos decorrentes (danos morais, materiais, estabilidade, etc.), percebemos decisões em sentidos completamente opostos. Citamos duas, a título meramente exemplificativo:

  • Processo nº 1000708-47.2020.5.02.0391 – O TRT da 2ª Região negou provimento ao recurso interposto pelos Correios, em face da sentença da Ação Civil Pública proposta pelo sindicato da categoria que determinou a obrigação de fazer da empresa para, dentre outras obrigações específicas de prevenção ao COVID-19, emitir as CATs para os empregados que contraíram a doença no período em que estavam trabalhando. Ou seja, o sindicato teve provimento favorável ao tema em apreço.

  • Processo nº 1000899-41.2020.5.02.0311 - Ao apreciar o pedido de reconhecimento do nexo da COVID-19 adquirida por uma funcionária da área administrativa de um hospital, o Juiz do Trabalho entendeu pela inexistência do nexo de causalidade, fundamentando da seguinte forma: “o contágio desta doença ocasionada pelo vírus vem atingindo a população em escala mundial de forma vertiginosa, em razão da interconexão dos países, resultante assim, em uma pandemia. (...) Ainda que assim não fosse, reconhecendo o maior risco de contaminação dos trabalhadores da administração de um hospital, para fins de responsabilidade objetiva (o que ainda, assim, necessitaria da demonstração do nexo causal) a reclamante não apresentou nenhum tipo de incapacidade após o seu retorno ao labor”.

 

Medidas de segurança

De todo modo e independentemente da disparidade de entendimentos, o que conseguimos enxergar como um padrão em formação, bem como tem ditado o rumo de grande parte das decisões, é a prova quanto aos cuidados adotados pela empresa no sentido de evitar a contaminação pelo vírus no ambiente de trabalho. Nos casos em que fica comprovado que o empregador fez tudo que estava a seu alcance para evitar o contágio - fornecimento adequado de EPIs, adoção de medidas de distanciamento no ambiente de trabalho, afastamento de grupos de risco, adoção do trabalho remoto quando possível, orientações constantes para prevenção da doença, treinamentos específicos, aquisição de suprimentos e estocagem, orientações quanto ao programa de vacinação, redefinição preventiva de fluxos internos e áreas de atendimento COVID -, temos decisões favoráveis que afastam o nexo de causalidade com base no atendimento de tais elementos objetivos.

 

Ações na Justiça do Trabalho

Em caso de eventual ação trabalhista, como já adiantado, é fundamental a comprovação de todos os cuidados que foram adotados para a prevenção/contaminação por COVID-19, notadamente em ambientes hospitalares, incluindo aqui a abertura das quarentenas, contratação de pessoal, ajustes de fluxos de atendimento, compra e fornecimento de EPI/EPC, estocagem robusta, treinamentos específicos, medidas de distanciamento entre os colaboradores, afastamento de grupos de risco, ventilação, disponibilização de álcool em gel, máscaras, adequações gerais do posto de trabalho, entre outros que se façam necessários.

 

Conclusão

A obrigatoriedade de abertura de CAT em casos de COVID-19 é tema novo e polêmico, com decisões judiciais variadas, agravando-se em situações de Hospitais e outros estabelecimentos da área da saúde, especialmente, o que reforça a necessidade de atuação próxima da medicina do trabalho e da CIPA para colher informações adequadas e promover as medidas voltadas à prevenção de contágio dentro do ambiente laboral.

Assim, com o passar do tempo, existe um risco considerável de crescimento do número de ações trabalhistas tratando do assunto e respectivos desdobramentos jurídicos. Nesse tipo de ação, conforme abordado, o êxito da demanda vai depender muito da prova que o empregador produzirá com relação às práticas, rotinas e fluxos no que diz respeito à prevenção da contaminação da doença e cuidados gerais tomados tanto no ambiente de trabalho, quanto diretamente aos profissionais envolvidos.