A possibilidade da exigência do exame de gravidez no término da relação de emprego
por Bruno Capetti
As práticas limitativas de acesso ou de permanência em uma relação de emprego, assim como de condutas discriminatórias que prejudiquem a sua fluidez natural, são alvo de profunda preocupação social por parte de órgãos fiscalizadores e do poder judiciário, nacional e internacionalmente, sobretudo quando falamos de empregadas grávidas, detentoras de proteção constitucional e legislativa especial.
É certo que a empregada gestante tem direito à estabilidade provisória no emprego desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, como regra. Tal garantia é expressada no art. 10, II b do ADCT e reafirmada na Súmula n. 244 do Tribunal Superior do Trabalho. Também é pacífico o entendimento sobre a finalidade da norma: proteção à mulher gestante e ao nascituro, preservando-lhes a subsistência e a condição de tratamento de saúde através preservação da fonte de renda mensal, além da proteção previdenciária condizente à licença-maternidade de 120 dias.
Em uma relação de emprego, o desrespeito da norma frequentemente ocorre pelo total desconhecimento do estado gravídico pelo empregador, o que não é fundamento para se afastar o direito da estabilidade gestante quando da dispensa imotivada e, consequentemente, a reparação moral indenizatória, acompanhada pela reintegração no emprego, ou então, pela indenização substitutiva correspondente aos salários do período integral de estabilidade e demais verbas reflexas.
Neste cenário, o empregador, ao exigir o exame de gravidez após a dispensa imotivada, no momento da realização do atestado de saúde ocupacional (ASO) demissional, violaria a lei por conduta invasiva ou discriminatória? Com a absoluta cautela que o questionamento exige, partilhamos do entendimento de que a resposta seria negativa.
Aliás, sobre o assunto, a 3ª Turma do TST proferiu decisão no último mês de junho no processo TST – RR 61-04.2017.5.11.0010, por meio da qual afastou o pedido indenizatório de danos morais pautado na exigência de exame de gravidez pelo empregador no término da relação contratual, por entender que esse procedimento não se configura como ato discriminatório sujeito à reparação.
A decisão foi representativa, até porque a cobrança de exame de gravidez é prática vedada pela legislação e, conforme art. 2º da Lei 9.029/95, tipifica como crime: “a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou ao estado de gravidez”. A própria CLT, no art. 373-A, IV, confirma a sua proibição.
Muito embora haja posicionamentos de que essa vedação se estenderia para todo o período contratual, em verdade, a exigência do exame de gravidez no ASO demissional pelo empregador está em compasso com o princípio da boa-fé objetiva, aliado aos deveres de lealdade, cordialidade e cooperação inerentes ao vínculo empregatício e que transcendem os próprios limites temporais do contrato.
Isso porque, a decisão pela dispensa já foi tomada pelo empregador e se manifesta no comunicado de dispensa, ou seja, anteriormente à própria exigência do exame, independentemente do seu resultado futuro e incerto. Não se busca, pois, a exclusão, restrição ou limitação de acesso ou permanência da empregada na relação de emprego; não se pretende tolher oportunidades da empregada no mercado de trabalho ou a sua evolução funcional na própria instituição; por fim, não se pretende discriminar ou contrariar a Lei 9.029.
A exigência do exame por ocasião do ASO demissional se mostra um eficiente mecanismo para chancelar uma dispensa sem justa causa com segurança jurídica recíproca para os polos imediatamente interessados: empregada e empregador (ao menos quanto à estabilidade gravídica).
Da parte da empregada, na medida em que o seu direito à estabilidade no emprego estaria salvaguardado, destinando-se a informação para a tutela do que é mais caro: a proteção à vida do nascituro e da mãe gestante através da garantia da subsistência, do benefício de plano de saúde empresarial na maioria das vezes e, também, da viabilidade de obter a licença-maternidade junto à Previdência Social.
Isso, lógico, sem falar da abreviação de tempo, energia e recursos envolvendo a judicialização do assunto (custas processuais, honorários e perícia médica, no mínimo), muito comum em casos como esse, nos quais a descoberta do estado gravídico pela empregada somente vem à tona semanas após o término da contratualidade.
Ao seu turno, pelo empregador, pois não fica alienado da condição gravídica da empregada sujeita à dispensa e, naturalmente pelo mesmo motivo, suscetível a uma eventual condenação ao pagamento de indenização estabilitária e reparação indenizatória pela violação de um direito de um terceiro que sequer conhecia. E não para por aí, pois em situações concretas, o empregador acabaria sendo punido com uma condenação judicial elevada – que em casos extremos inviabilizaria o próprio negócio - mesmo no regular exercício do seu poder diretivo, ou seja, de gerir o seu quadro funcional segundo com as necessidades e planejamentos.
Convém observar que o ASO demissional é obrigatório por força da NR-7, aliado ao art. 168 da CLT e tem como premissa garantir a plena aptidão para o exercício funcional do empregado(a) dispensado(a). Apesar da imprecisão técnica de conjugarmos as palavras “aptidão” e “gravidez” juntas para abordar a realização do exame no ASO demissional - pois gravidez não se confunde com doença -, a questão é outra. Trata-se, primeiro, de não submeter a empregada gestante à condição de desemprego; segundo, de não punir o empregador pelo ato de dispensa que lhe é legítimo.
Logo, o que se percebe é um cenário de maior segurança sobre a exigência pelo empregador do exame de gravidez na dispensa, distanciando-se de uma conduta discriminatória e oportunizando o efetivo cumprimento da legislação.
Neste sentido, a decisão do TST cuida de legitimar a sua viabilidade para a reconsideração do término da relação de emprego quando o empregador, já convicto, ao promover a dispensa de uma empregada por motivos técnicos, disciplinares ou financeiros, solicita o exame de gravidez e é informado do resultado positivo.
Vislumbra-se, portanto, o prestígio à segurança jurídica e ao dever de informação das partes envolvidas no momento do rompimento da relação contratual. A par disso, também emerge um horizonte capaz de zelar pelo direito à vida, maternidade, relação de emprego protegida contra a dispensa arbitrária, livre-iniciativa, valor social do trabalho e ao pleno exercício do poder diretivo do empregador.
Curitiba, 01 de setembro de 2021.
Bruno Capetti