Conteúdo

Com a futura decisão do STF sobre dispensa imotivada, só poderei demitir meus empre-gados por Justa Causa?

09

jan

Com a futura decisão do STF sobre dispensa imotivada, só poderei demitir meus empre-gados por Justa Causa?

por Hyago Hayalla Rodrigues Calixto

Iniciamos o presente texto relembrando um clássico da década de setenta, como já nos ensinava o célebre personagem mexicano, Chapolin Colorado, “calma, calma... não criemos pânico”.

Nos últimos dias estamos sendo bombardeados nas redes sociais com “notícias” dizendo que, com “uma canetada”, o STF decidirá se os empregadores somente poderão demitir seus empregados por justa causa, proibindo as dispensas sem justa causa, muito comuns no âmbito laboral.

Isso porque, desde 1997, tramita na Suprema Corte Brasileira uma ação ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, onde se busca a declaração de inconstitucionalidade do Decreto 2.100 de 20.12.1996, que revogou a internalização da Convenção n. 158 da OIT.

Para entendermos melhor o tema e não cairmos nos clickbaits e nem sermos enganados por dançarinos do TikTok, é necessário que se entenda, pelo menos, dois pontos. São eles: a. o que diz a Convenção n.º 158 da OIT; b. quais as consequências de uma procedência da ação no STF.

Vamos a eles.

 

a. A Convenção n.º 158 da Organização Internacional do Trabalho

Em 1982, em Genebra, durante a 68ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho fora redigida a “Convenção sobre o Término da Relação de Trabalho”.

Dentre inúmeros dispositivos, o que chama a atenção e será objeto do presente texto, é o artigo 4º, que assim prevê:

Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com a sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.

Da leitura do referido artigo, extrai-se que a referida Convenção não proíbe a dispensa sem justa causa dos empregados e nem lhes garante estabilidade. O que ela proíbe é que a despedida seja imotivada, o que não se confunde com despedida sem justa causa.

A melhor distinção entre elas é dada pelo insigne doutrinador Raphael Miziara:

Despedida sem justa causa é aquela na qual o empregador, por sua iniciativa, põe fim ao contrato de trabalho sem se basear em alguma das hipóteses de justa causa previstas no artigo 482 da CLT. Instituto diverso é o da despedida imotivada, entendida como aquela por meio da qual o empregador coloca fim ao contrato sem que exponha os motivos que ensejaram a ruptura do contrato.[1]

Aqui já está o primeiro motivo para que todo o alarde feito nos últimos dias não tenha razão de existir.

 

b. As consequências de uma procedência da ação no STF

Superado o primeiro motivo para não se “criar pânico”, vejamos as consequências de uma procedência e uma declaração de inconstitucionalidade pelo STF.

A doutrina acerca da internalização de uma Convenção divide o procedimento em quatro etapas: a. assinatura pelo chefe do Poder Executivo; b. aprovação da norma pelo Congresso Nacional; c. ratificação; d. publicação do decreto executório.

Foi em 1996, para ser mais exato em 10 de abril, que as quatro etapas foram concluídas e a Convenção n. 158 da OIT foi efetivamente internalizada.

Ocorre que pouco mais de oito meses depois, o chefe do Poder Executivo, sozinho, denunciou, isso é, sinalizou o desinteresse em continuar observando o conteúdo da referida Convenção.

Então, em decorrência desse ato, o imbróglio jurídico fora instaurado. O Presidente da República, sozinho, pode revogar uma norma internalizada através de aprovação pelo Congresso Nacional?

Estudiosos do Direito Internacional trazem a resposta para a pergunta e, como comum e, inclusive alvo de anedotas, no ramo do direito, a resposta será um “depende”.

Para os defensores do princípio do ato contrário, a resposta será negativa. O Presidente não pode denunciar, sozinho, uma Convenção internalizada. Isso porque, para os defensores dessa corrente, se, nos termos da Constituição, a conclusão de um tratado depende da conjugação das vontades do Presidente e do Congresso, deve-se entender que essas mesmas vontades devem estar presentes para escorar o rompimento do pedido.[2]

Já para os defensores do princípio da vontade nacional, a resposta é positiva. O Presidente pode denunciar, sem a aprovação do Congresso, uma Convenção internalizada. Isso porque, nenhum tratado deve continuar vigendo contra a vontade quer do Governo, quer do Congresso.[3]

Até o momento o Supremo já conta com oito votos, sendo que a maioria formada vai no sentido de aplicar o primeiro entendimento, ou seja, de que o Presidente não poderia ter denunciado a Convenção sem a anuência do Congresso Nacional.

Você, caro leitor, deve estar se perguntando: “Meu Deus, agora só poderei demitir meus empregados por justa causa então?”

Agora, nas palavras de Mestre Miyagi, lhe digo: “Calma, pequeno gafanhoto”, quem leu o texto até aqui, já sabe que a resposta será negativa.

Como dito nos parágrafos anteriores, ainda que o Decreto 2.100/1996 seja declarado inconstitucional, não significa dizer que os empregadores somente poderão demitir seus empregados por justa causa.

E é o próprio Supremo Tribunal Federal quem nos disse que as normas da Convenção nº. 158 da OIT não eram inconstitucionais, desde que fossem interpretadas como sendo não autoaplicáveis, pois a sua aplicação violaria a necessidade de se ter uma lei complementar sobre o tema, nos termos do artigo 7º, inciso I da Constituição Federal.[4] Como nunca fora promulgada Lei Complementar sobre o tema, a Convenção tem um conteúdo meramente programático.

Ainda é importante dizer que o Tribunal Superior do Trabalho já enfrentou o tema e ele vai no mesmo caminho do precedente do Corte Suprema.

Nas palavras do Ministro Bresciani: “A Lei não contém palavras inúteis e assim não se pode pretender em relação à Constituição Federal. Porque a Lei não traz termos inúteis e porque não se pode ignorar diretriz traçada pela Constituição Federal, resta óbvio que a inobservância da forma exigível conduzirá à ineficácia qualquer preceito pertinente à matéria reservada. Se a proteção contra o despedimento arbitrário ou sem justa causa é matéria limitada à Lei Complementar, somente a Lei Complementar gerará obrigações legítimas.”[5]

Portanto, esclarecidos os fatos e afastadas as manchetes sensacionalistas, nos resta manter a calma, até porque, ainda estamos nos primeiros dias desse novo ano!

Que os jogos comecem!


[1] MIZIARA, Raphael. STF e a desnecessária agitação midiática em torno da “demissão sem justa causa”: na prática, nada mudará para as empresas. 2022. Disponível em: https://blog.grancursosonline.com.br/stf-e-a-desnecessaria-agitacao-midiatica-em-torno-da-demissao-sem-justa-causa-na-pratica-nada-mudara-para-as-empresas/. Acesso em: 06 jan. 2023.
[2] ABREU, Fernanda de Miranda S. C.. A denúncia de tratados de direitos humanos. 2012. Disponível em:http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=6562a2c4889bc3e2#:~:text=princ%C3%ADpio%20do%20ato%20contr%C3%A1rio%3A%20se,escorar%20o%20rompimento%20do%20compromisso..Acesso em: 06 jan. 2022.
[3] REZEK, Francisco. Direito Internacional Privado – Curso Elementar. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
[4] STF – ADI: 1480 DF, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 04/09/1997, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 18-05-2001 PP-00429 EMENT VOL-02031-02 PP-00213
[5] AIRR-1430-79.2014.5.17.0007, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 18/08/2017