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Como está o contrato intermitente 4 anos após a sua criação?

23

set

Como está o contrato intermitente 4 anos após a sua criação?

por Bruno Rogério Gobbi

A reforma trabalhista, que entrou em vigor em novembro de 2017, trouxe à legalidade uma modalidade de contratação há muito tempo praticada na informalidade: o contrato intermitente que, em novembro deste ano, completará quatro anos de vigência.

Polêmico desde a sua criação, o contrato intermitente, três dias após a entrada em vigor da Reforma Trabalhista, sofreu alterações impactantes com a Medida Provisória nº 808/2017 que, no entanto, perdeu a vigência por inércia legislativa em abril de 2018. Em maio de 2018, uma Portaria do Ministério do Trabalho foi criada a fim de tentar preencher algumas das lacunas deixadas pela Lei 13.467/2017.

O contrato intermitente prevê a possibilidade da prestação de serviço de maneira esporádica, mediante convocação, sendo que o trabalhador, embora formalmente empregado, receberá o seu salário somente pelo tempo efetivamente trabalhado, não recebendo pelo período de inatividade. A convocação para o trabalho pode ser determinada em horas, dias ou meses, ou seja, o empregado pode ser contratado para trabalhar por oito horas, vinte dias ou dois meses, dependendo da necessidade do empregador e dos períodos de pico de produção, por exemplo.

Uma das características desse contrato é a não exclusividade, pois o empregado pode ter mais de um empregador e, inclusive, prestar serviços autônomos durante o período de inatividade.

O empregado contratado de forma intermitente será convocado para o trabalho por qualquer “meio de comunicação eficaz”, com, pelo menos, três dias de antecedência da prestação de serviços, sendo que na convocação há a necessidade de se esclarecer qual será o serviço e a jornada que estão sendo demandados.

Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de um dia útil para responder, podendo aceitar ou recusar o chamado. Caso aceite a convocação e ainda assim não compareça para trabalhar, pagará ao empregador multa de 50% da remuneração que lhe seria devida, permitida a compensação.

Ao final de cada um dos períodos de prestação de serviço, o empregado receberá, além de sua remuneração, férias proporcionais acrescidas de 1/3, 13º salário proporcional e repouso semanal remunerado. Ainda, o empregador deverá recolher contribuição previdenciária proporcional ao salário pago e o respectivo depósito de FGTS.

Com relação às férias, prevê a reforma trabalhista que, “a cada doze meses, o empregado adquire direito a usufruir, nos doze meses subsequentes, um mês de férias, período no qual não poderá ser convocado para prestar serviços pelo mesmo empregador”.

Entre 2017 e 2019, somente 11,3% dos empregos gerados foram na modalidade intermitente. Porém, em novembro de 2019, esse índice cresceu 45% em relação ao período anterior. Ainda, de acordo com os dados obtidos pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Ministério da Economia, os setores com maior adesão ao contrato intermitente são: Serviços (41%); Comércio (31%); Indústria (12%); e Construção (11%).

Diversas lacunas jurídicas sobre o instituto persistem ao longo destes quatro anos. Tanto é que tramita Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal que discute a constitucionalidade do contrato intermitente. O processo, até o presente momento, conta com um voto do Min. Luiz Edson Fachin pela inconstitucionalidade e outros dois votos, dos Min. Nunes Marques e Alexandre de Morais, pela constitucionalidade.

Partindo do pressuposto de que o empregador só chamará o empregado intermitente quando houver necessidade, cria-se a possibilidade de uma pessoa ter emprego, porém, não ter trabalho regular e, consequentemente, não ter renda. É sob essa ótica que o Min. Fachin defende a inconstitucionalidade do contrato: “para que essa modalidade de relação trabalhista seja válida, é necessário que se assegure a proteção aos direitos fundamentais trabalhistas, como a garantia de remuneração não inferior ao salário mínimo”, consignou em seu voto.

Na contramão, o Min. Nunes Marques entende que o contrato intermitente é constitucional, vez que “assegura ao trabalhador o pagamento de parcelas como repouso semanal remunerado, recolhimentos previdenciários e férias e 13º salário proporcionais. Além disso, proíbe que o salário-hora seja inferior ao salário-mínimo ou ao salário pago no estabelecimento aos trabalhadores que exerçam a mesma função, mas em contrato de trabalho comum.”

Ainda na linha dos que defendem a constitucionalidade do regime, o Tribunal Superior do Trabalho consignou não só que o contrato intermitente não gera a precarização dos serviços, como, em verdade, traz segurança jurídica e criação de novos postos de trabalho, argumentando que “a introdução de regramento para o trabalho intermitente em nosso ordenamento jurídico deveu-se à necessidade de se conferir direitos básicos a uma infinidade de trabalhadores que se encontravam na informalidade (quase 50% da força de trabalho do país), vivendo de bicos, sem carteira assinada e sem garantia de direitos trabalhistas fundamentais. Trata-se de uma das novas modalidades contratuais existentes no mundo, flexibilizando a forma de contratação e remuneração, de modo a combater o desemprego”¹

Em outra situação, o Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região, ao analisar um processo de Professor intermitente, uma das principais profissões abrangidas pelo referido contrato, entendeu pela sua validade, sustentando que “a prestação de serviço por professor em atividade permanente de formação profissional mantida pela instituição, embora de forma descontínua, em certas épocas e em determinados cursos profissionalizantes, se enquadra perfeitamente na hipótese do contrato intermitente, devendo o vínculo de emprego ser reconhecido nessa modalidade.”²

Como se vê, portanto, ainda há muita discussão jurídica sobre o tema, até mesmo em virtude das omissões da CLT ao tratar sobre o assunto e também porque ainda não houve tempo hábil de formação de uma base jurisprudencial sólida à respeito das controvérsias e dúvidas acerca da modalidade contratual intermitente

O Desembargador do Trabalho, Georgenor de Sousa Franco Filho, estava certo, já em dezembro de 2018, ao se manifestar sobre as lacunas deixadas pela reforma trabalhista no sentido de que “É crível que o tempo, senhor da razão, corrija a lacuna do legislador, ou o faço, como tempo repetidamente acontecido, a jurisprudência.”³

De qualquer forma e embora a Lei seja omissa, a jurisprudência têm sido firme: o empregador que utilizar incorretamente o contrato intermitente será penalizado com a conversão da modalidade intermitente para contrato de emprego típico e contínuo. Assim, inclusive, decidiu o Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região ao julgar situação em que o empregado foi contratado de forma intermitente, contudo, sem o devido e formal registro em carteira de trabalho.⁴

Certo é que jurisprudência têm sido e ainda será a grande responsável pela formatação do contrato intermitente, tentando preencher essas lacunas. Algumas inseguranças, como garantia de estabilidade no emprego, base de cálculo para o preenchimento de cotas legais, livre concorrência ou até mesmo a constitucionalidade do contrato, objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade, remanescem. Porém, não há dúvidas de que os Tribunais têm se esforçado para criar soluções – corretas ou não – acerca dos pontos sobre os quais a legislação não se pronunciou.

Diante de uma construção de entendimentos e de um panorama em que cada vez mais se adota a contratação através da modalidade intermitente - ciente dos riscos e das lacunas legais - conclui-se que a utilização deste contrato é uma decisão estratégica da empresa que, auxiliada pelo seu departamento jurídico responsável, deve se municiar de informações para decidir por sua utilização – ou não, sopesando os prós e os contras com base na realidade empresarial e eventuais inseguranças apresentadas.

 

¹ (TST; RR 0010454-06.2018.5.03.0097; Quarta Turma; Rel. Min. Ives Gandra da Silva Martins Filho; DEJT 09/08/2019; Pág. 2808)

² (TRT 24ª R.; RO 0024356-91.2016.5.24.0006; Segunda Turma; Rel. Des. Fed. Francisco das Chagas Lima Filho; Julg. 16/04/2019; DEJTMS 16/04/2019; Pág. 1807)

³ FILHO, Georgenor de Sousa Franco. TRABALHO INTERMITENTE (ENTRE IDAS E VINDAS). REVISTA ELETRONICA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 9ª REGIÃO, Paraná, v. 74, p. 36-40, 2019. Disponível em: http://www.mflip.com.br/pub/escolajudicial/?numero=74&edicao=10990. Acesso em: 22 set. 2021

⁴ (TRT 10ª R.; RORSum 0000482-31.2020.5.10.0102; Terceira Turma; Relª Desª Elke Doris Just; DEJTDF 08/03/2021; Pág. 776)