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Contrato de teletrabalho com empregados que residem fora do país - Riscos e cuidados jurídicos essenciais

30

jul

Contrato de teletrabalho com empregados que residem fora do país - Riscos e cuidados jurídicos essenciais

por Danielle Blanchet

A legislação trabalhista sofreu grande alteração no fim do ano de 2017, quando entrou em vigor a chamada Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017), ocasião na qual foi instituída a figura do teletrabalho, que é toda prestação de serviços realizada preponderantemente fora da sede do empregador e por meio de tecnologias de comunicação.

A nova disposição tinha como objetivo de conferir mais segurança às relações pautadas no trabalho remoto, que já era uma realidade que vinha sendo consolidada aos poucos no âmbito das empresas.

Neste ponto, vale abrir um parêntese para lembrar que teletrabalho, nos moldes da CLT, é uma figura distinta do home office, já que este último, quando não é a regra no contrato de trabalho e quando não exige a utilização de tecnologias de comunicação, é equiparado ao trabalho presencial para todos os fins.

Contudo, esse processo acabou sendo acelerado e antecipado em virtude da pandemia do COVID 19, que fez com que muitas empresas se vissem obrigadas a adotar o teletrabalho como regra para seus colaboradores.

Essa mudança “forçada” de paradigma, que tinha como objetivo inicial apenas a contenção da pandemia e a preservação da saúde e segurança destes empregados, acabou se revelando benéfica também com relação a outras questões, especialmente quanto à possibilidade de contratação de empregados que não residem, necessariamente, no mesmo local em que a empresa está sediada.

Passou a ser comum que as empresas contratassem empregados em outras cidades, estados ou mesmo em outros países, que é justamente o foco desse artigo.

A contratação de empregados estrangeiros – ou mesmo de brasileiros que residem no exterior - para prestação de serviços para empresas do Brasil, especialmente quando se fala em trabalho remoto, é uma realidade relativamente nova, ao menos na proporção que vem acontecendo nos últimos meses, e ainda gera muitas dúvidas em virtude da falta de legislação específica sobre a matéria e principalmente quando tratamos de “zonas cinzentas” no que diz respeito ao formato de trabalho.

Existe já há muitos anos uma legislação regulamentando a situação de trabalhadores contratados ou transferidos para prestar serviços fisicamente no exterior, que é a Lei nº 7.064/82. Esta lei prevê uma série de questões específicas, especialmente no que concerne ao formato da remuneração (destacando especialmente a moeda em que devem ser feitos os pagamentos e a remessa dos valores), o custeio de despesas de deslocamento, garantia de férias gozadas no Brasil quando a prestação de serviços excede 2 anos, dentre outras questões relevantes que são também objeto de outras regulamentações específicas.

Não há dúvidas de que essa lei deve ser observada quando falamos em trabalho presencial no exterior, porém essa lei – até pela época em que foi editada – não foi pensada para situações de trabalho remoto, mas sim para situações em que o empregado brasileiro precisa, necessariamente, deslocar-se para o exterior para que o objeto do contrato de trabalho seja executado.

Em teoria, tratando-se de teletrabalho genuíno, nos termos exatos previstos pela CLT, o local em que o profissional reside pouco importa para a realização das atividades de trabalho. Esse é, inclusive, um pressuposto para que o trabalho remoto seja considerado teletrabalho em primeiro lugar. Isto afastaria, pelo menos sob o ponto de vista formal, a aplicação da referida legislação nestes casos.

Contudo, fato é que tanto empregado quando empregador, no momento da contratação, têm ciência de que o colaborador reside fora do país e que, portanto, está sujeito a uma dinâmica diferente daqueles empregados que atuam diretamente no Brasil, especialmente no que diz respeito a custo de vida, horários de trabalho, formato de remuneração, dentre outras questões relevantes que podem, no futuro, dar margem para inúmeras discussões.

Aqui, as dúvidas são muitas e relacionadas a pontos muito sensíveis, especialmente quando falamos em empresas com filiais em locais distintos e quando a prestação de serviços se dá em favor de mais de uma filial/unidade de negócios, tais como a legislação aplicável (se a do Brasil ou a do local em que o profissional reside, ainda mais quando falamos de normas mais benéficas se comparada uma legislação com a outra), o enquadramento sindical destes colaboradores e a possibilidade de equiparação salarial entre pessoas que exercem a mesma função, em favor da mesma empresa, porém com modalidades de trabalho distintas (teletrabalho e trabalho presencial).

Por isso, ainda que essa matéria seja muito nova, ainda pouco discutida nos Tribunais e, por consequência, haja poucos indícios sobre como a jurisprudência vai se comportar nestes casos, é muito importante que as empresas tomem alguns cuidados básicos para evitar ao máximo a formação de um passivo trabalhista com relação a essas contratações.

O primeiro deles diz respeito ao cumprimento dos requisitos formais do teletrabalho, dentre os quais está a elaboração de um contrato específico prevendo essa modalidade, assim como quais serão as atividades desenvolvidas por esse profissional.

A vinculação do empregado também deve ser feita à sede da empresa no Brasil, com previsão inclusive de que as atividades serão prestadas em favor desta empresa, com mesmo enquadramento sindical e incidência dos mesmos benefícios garantidos a colaboradores residentes no país.

Outro aspecto relevante é que, caso a empresa opte pelo controle de jornada destes empregados, deve haver disposição específica quanto ao horário de trabalho, inclusive com referência a qual fuso será aplicável à prestação de serviços.

É recomendável, ainda, que haja previsão quanto ao formato e a moeda em que serão realizados os pagamentos, lembrando sempre que, quanto mais próximo for esse formato daquele que é utilizado para empregados que residem no Brasil, mais forte se torna o argumento de que o local de residência não influencia na prestação de serviços, justamente porque esta se dá de forma remota.

Além disso, vale sempre ponderar, diante da novidade do tema, o custo-benefício desse tipo de contratação. É prudente que, pelo menos até que o tema seja melhor explorado e que tenhamos mais elementos acerca da direção que os Tribunais vão seguir com relação ao assunto, esse formato de contratação, no que concerne ao empregado que reside fora do país, seja adotado apenas quando resultar em benefício relevante para a empresa, priorizando-se o trabalho local na medida do possível.

Ainda, justamente por se tratar de uma questão relativamente nova, é sempre importante avaliar caso a caso quais os riscos envolvidos, para que a contratação seja realizada da forma mais segura possível, tanto sob o ponto de vista prático (realidade do contrato de trabalho que será firmado) quanto sob o ponto de vista formal (regularidade da documentação, avaliação da legislação local, dentre outros).