Intervenção sindical nas dispensas coletivas à luz do julgamento do RE 999435 pelo Supremo Tribunal Federal
por Bruna Gonçalves Pereira Longhi
Com o recente julgamento do RE nº 999435, Tema de Repercussão Geral nº 638, pelo Supremo Tribunal Federal, muito se vem debatendo a respeito da necessidade de intervenção sindical nas dispensas coletivas promovidas pelos empregadores, qual seria a sua definição conceitual, os seus limites e os contornos jurídicos, haja vista que a tese fixada pela Corte Máxima é notoriamente passível de diferentes interpretações.
Assim, para melhor elucidação do tema, ocupa-se o presente artigo com uma breve e factível ponderação a respeito da dispensa coletiva e a intervenção sindical.
Definição de dispensa coletiva
Na ótica do doutrinador Orlando Gomes¹ entende-se por dispensa coletiva a “rescisão simultânea, por motivo único, de uma pluralidade de contratos de trabalho numa empresa, sem substituição dos empregados dispensados”, não visando o empregador o desligamento de colaboradores específicos em análise subjetiva. Pelo contrário, os desligamentos correspondem a “um grupo de trabalhadores identificáveis apenas por traços não-pessoais, como a lotação em certa seção ou departamento, a qualificação profissional, ou o tempo de serviço”.
A motivação da dispensa decorre de uma causa comum a todos os empregados, em razão de uma necessidade puramente objetiva da empresa. Caracteriza-se, assim, por duas principais premissas: (a) o rompimento plural de contratos de trabalho – sem patamar mínimo quantitativo - por fato único motivador, e (b) a exclusão do viés subjetivo na análise empresarial do critério de definição acerca dos empregados a serem desligados.
Deve-se notar, pois, que é incorreto partir da ideia de que a dispensa coletiva decorre propriamente do número de empregados afetados, porquanto não há na legislação ou na jurisprudência um parâmetro quantificativo pré-concebido.
A caracterização de uma dispensa coletiva é fundamental o elemento de impacto social gerado pelo ato, o potencial de danos econômicos, financeiros e outros que podem ser causados aos envolvidos.
A análise é ampla e considera, junto com as premissas citadas acima, um critério quantificativo para cada caso sub examine pela Justiça Especializada, observada a proporção da medida tomada pelo empregador e os potenciais danos em nível da categoria profissional, sociedade, região territorial abrangida e assim por diante.
(Im)prescindível intervenção sindical na dispensa coletiva pelo empregador
Dado o impacto socioeconômico gerado pelas dispensas coletivas, pormenorizadamente por questão “social, econômica, familiar e comunitariamente impactantes”², mais de uma década atrás, o Tribunal Superior do Trabalho - TST entendeu pela necessidade de regulamentar o tema – que não possuía texto próprio em Lei. Assim, em julgamento de dissídio coletivo, no ano de 2009, analisando uma despedida maciça de empregados pela Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A – EMBRAER, em face de grave retração na atividade econômica, a Seção de Dissídios Coletivos, por maioria de votos, fixou a tese de que “a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores”³.
A tese fixada representou um grande marco na regulamentação do tema, criando ali uma importante distinção entre dispensas individuais e coletivas, assim como o tratamento a ser dado pelo empregador em situações que implicassem a dispensa em massa, que deveria ocorrer mediante prévia e necessária negociação coletiva.
Sobre o tema, o respeitado doutrinador Mauricio Godinho Delgado⁴ discorreu: “o voto da relatoria examinado dispõe que a ordem constitucional e infraconstitucional democrática brasileira, considerada a Constituição de 1988 e diversos diplomas internacionais ratificados (ilustrativamente, Convenções OIT 11, 98, 135 E 141), todo esse universo normativo não autorizaria o “manejo meramente unilateral e potestativista das dispensas trabalhistas coletivas, por se tratar de ato/fato coletivo, inerente ao Direito Coletivo do Trabalho, e não Direito Individual, exigindo, por consequência, a participação do(s) respectivo(s) sindicato(s) profissional(is) obreiro(s)”.
A jurisprudência da Seção de Dissídios Coletivos do TST, em período subsequente ao julgamento originário, acompanhou a posição em casos similares, sedimentando o entendimento de que se fazia imprescindível a negociação coletiva para as hipóteses de dispensa em massa.
Acrescente-se, em linhas sintéticas, que, por negociação coletiva, entendem-se as transações negociais coletivas, concretizadas por seus instrumentos-fins - como a Convenção Coletiva de Trabalho e o Acordo Coletivo de Trabalho -, que consumam e consolidam as definições alcançadas com os entes sindicais.
Ato contínuo, até então não pairavam dúvidas acerca da figura da negociação coletiva, o que ela representava e a sua imprescindibilidade nas dispensas coletivas ou “em massa”, afinal, o tema estava regulamentado pela jurisprudência.
A Lei nº 13.467/17, comumente conhecida por “Reforma Trabalhista”, todavia, introduziu na Consolidação das Leis do Trabalho o Art. 477-A, que veio a confrontar tudo o que já se havia consolidado sobre o tema, dada sua redação:
CLT, Art. 477-A: As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação.
Logo, o entendimento cristalizado pelo TST e seguido pelos Regionais havia caído por terra com a nova previsão. Dada a complexidade da matéria, os Tribunais Regionais começaram a se manifestar em sentidos diversos, alguns a favor da aplicação do comando legal e outros asseverando a sua inconstitucionalidade.
A resistência pelos Magistrados com a aplicação ou não do Art. 477-A da CLT estava gerando vultuosa insegurança jurídica aos empregadores, de tal forma que o Supremo Tribunal Federal foi instado a julgar o tema, por meio do RE nº 999435, Tema de Repercussão Geral nº 638, em que fixou a seguinte tese: “A intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para a dispensa em massa dos trabalhadores, que não se confunde com autorização prévia por parte da entidade sindical ou celebração de convenção ou acordo coletivo”.
A tese fixada pelo STF vem gerando intenso debate jurídico – mesmo antes do Acórdão ser redigido e publicado -, sobretudo a respeito do seguinte quesito: o que se pode entender por intervenção sindical prévia?
A primeira ideia de negociação coletiva, no sentido puro e clássico, poderia ser de antemão afastada, inclusive pelo próprio texto da tese fixada, em que está expressamente consignada a dispensa de “celebração de convenção ou acordo coletivo”.
Não há, no mundo jurídico, uma definição legal pré-concebida para o termo “intervenção sindical prévia” que possa aclarar com maior segurança o que a Corte Suprema quis dizer ao empregar o termo em sua tese.
Aprofundado o estudo do Direito Coletivo e seus contornos, passa-se a crer que a intervenção sindical diz respeito à efetiva e formal comunicação prévia ao Sindicato da categoria, comunicando-o do ato de dispensa coletiva pretendida, da eventual contraprestação a ser fornecida à categoria, das medidas envidadas para minimização dos impactos socioeconômicos a serem gerados, da boa-fé do empregador, do fato ensejador que o levou a concluir pela dispensa massiva, entre outras condições que se vinculem diretamente à medida. O resultado positivo ou negativo advindo da resposta da entidade sindical, a rigor da tese mencionada, não será óbice ao prosseguimento da conduta pelo empregador.
Com base no texto da tese fixada pelo STF, há certa clareza de que se deve estabelecer um canal de comunicação com o ente sindical, sem, entretanto, atribuir força suficiente para impedir que a dispensa seja levada à efeito por parte do empregador, tanto é que diferencia literalmente a intervenção de autorização prévia ou negociação coletiva.
À exemplo disso, em recentíssimo julgado, conforme noticiado pela própria Corte⁵, o Superior Tribunal do Trabalho inaugurou seu primeiro posicionamento a respeito do tema, quando por meio do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 11778-65.2017.5.03.0000 a Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) reconheceu, em caráter liminar, que a Sociedade de Ensino Superior Estácio de Sá, que promoveu a dispensa de cerca de 100 professores sem justa causa em Belo Horizonte, não estava obrigada a fazer negociação prévia com o Sindicato da categoria, à luz do entendimento do STF, não provendo o apelo recursal de reintegração dos docentes, conforme pretendido pelo SINPRO-MG.
De grande magnitude é a inquietação sobre a aplicação prática da orientação expedida pela Corte Suprema por meio da tese nº 638, especialmente quando considerada a dificuldade em manter relações negociais com entes sindicais direcionadas à tema sensível e de vasto impacto a uma categoria de empregados.
Certamente que, em se tratando de intervenção sindical, a discussão é ainda embrionária, cabendo aguardar a publicação do Acórdão em sua integralidade para melhor compreensão dos seus contornos, fundamentos jurídicos e destaques, o que não aconteceu até o presente momento.
Em conclusão, no entanto, momentaneamente, é razoável e crível pensar que, por intervenção sindical, entenda-se que o empregador estabeleça um canal de comunicação formal, prévio e aberto junto ao sindicato representativo da categoria profissional sujeita ao ato de desligamento coletivo, envidando esforços para demonstrar as condições e as medidas possíveis a minimizar os impactos socioeconômicos e, com isso, efetivar as dispensas. Eventual divergência manifestada pelo Sindicato, a princípio, deve ser levada em consideração para fins de análise de risco, mas poderá ser rebatida com argumentos calcados na própria decisão da Suprema Corte, ao dispensar a concordância sindical para a prática do ato.
Bruna Gonçalves Pereira Longhi – OAB/PR 106.211
Curitiba -PR, 25 de agosto de 2022.
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¹ GOMES, Orlando. Dispensa coletiva na reestruturação da empresa – Aspectos jurídicos do desemprego tecnológico. São Paulo: LTr, 1974, p. 575.
² DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada / Mauricio Godinho Delgado. 19. Ed. São Paulo: LTr, 2020.
³ TST-RODC 309/2009-000-15.04.4 Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado. Sessão de 10.08.2009 (DEJT de 4.9.2009)
⁴ DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada / Mauricio Godinho Delgado. 19. Ed. São Paulo: LTr, 2020.
⁵ https://www.tst.jus.br/-/faculdade-n%C3%A3o-precisar%C3%A1-reintegrar-professores-demitidos-em-bh <Acesso em 25 de agosto de 2022>.