Mulheres no trabalho: uma longa busca pela igualdade
por Thais Poliana de Andrade
E mais um mês de março chegou ao fim, e com ele vieram as caixas de bombons, botões de rosa, e bilhetes exaltando as qualidades do "feminino", em homenagem ao Dia Internacional das Mulheres.
E mais uma vez, assim como em todos os meses de março de cada ano, ao menos nas últimas três décadas, quando então posso dizer que me tornei mais consciente sobre o que é ser mulher nesta República tropical e ensolarada, ponho-me a refletir sobre o que já avançamos (e o quanto ainda falta) em busca da tão propalada “igualdade de gênero”.
Seguindo esse calendário anual, e pondo em prática um gosto peculiar, digamos, advindo do ofício de advogada trabalhista e professora universitária da disciplina, lá vou eu atrás dos dados sobre inserção das mulheres no mercado de trabalho, principais posições ocupadas, segmentos onde estão predominantes alocadas, eventuais novidades na legislação ou, até mesmo, nos entendimentos jurisprudenciais sobre nossos direitos. É quase um ritual, uma superstição por assim dizer, necessários para relembrar que não, ainda não somos iguais aos homens.
Partindo da metodologia de “torturar os números, até que eles confessem”, observamos que a diferença salarial entre homens e mulheres cresceu em 2022, conforme IBGE. Ao final de 2022, em média geral, as mulheres recebiam 78% do salário equivalente ao mesmo cargo ocupado por um colega do sexo masculino.
Entre todos os indicadores que reproduzem a desigualdade de gênero, penso que a diferenciação salarial poderia ser considerada a sua “pedra fundamental”, pois revela, na frieza dos números, que inobstante uma mulher possa realizar exatamente o mesmo trabalho de um homem, com igual produtividade e perfeição técnica, há enormes chances dela receber salário inferior ao colega, pelo simples fato de ser mulher.
A questão posta revela-se ainda mais incômoda se relembrarmos a existência de todo um arcabouço jurídico proibindo expressamente essa diferenciação salarial. Por sinal, nossa legislação brasileira não apenas proíbe que mulheres recebam menos, apenas por serem mulheres, como inclusive pune o empregador que agir de forma discriminatória.
E embora já tenhamos legislação específica sobre o tema, a exemplo do art. 5º, I, da Constituição Federal, que estabelece que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, além do próprio art. 461, CLT, §6º, que prevê multa quando comprovada discriminação por sexo, no festejado 08/03/2023, o governo federal, na figura do Presidente da República, apresentou projeto de lei com a finalidade de assegurar que homens e mulheres recebam idêntica remuneração. Também foi sinalizado que o Brasil irá ratificar a Convenção 190 da OIT, que reconhece a todas as pessoas o direito ao trabalho livre de violência e assédio, além de declarar que o país vai aderir à coalizão internacional de igualdade salarial (OIT, ONU Mulheres e OCDE).
A anunciada adesão do Brasil à Convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho, que entrou em vigor em junho/2021, após a ratificação do vizinho Uruguai e o longínquo Fiju, é promissora, nessa caminhada de representatividade, já que ela apresenta novidade importante, ao reconhecer a violência e o assédio no mundo do trabalho, além de indicar medidas concretas a serem tomadas na sua prevenção.
Notícias alvissareiras, sem dúvida, mas que dificilmente, crê essa mulher cansada que vos fala, irão efetivamente “virar a página” da desigualdade de gênero no mercado de trabalho. Perdão pelo certo desânimo, caro leitor, mas justamente por operar o Direito diariamente, bem sei que mudar a lei pouco resolve quando não se muda a cultura do país.
Já temos uma legislação forte, que veda qualquer discriminação por sexo, especialmente a salarial, inclusive com previsão de multa pecuniária em caso de descumprimento, e, caso aprovado o novo projeto de lei referido, teremos novas previsões legais reforçando tal vedação. Mas em um país que historicamente não tem bons índices de cumprimento de legislações trabalhistas, bastando analisar a enormidade de ações judiciais ajuizadas anualmente perante a Justiça do Trabalho, cuja maioria delas busca o reconhecimento de direitos básicos, como o pagamento de verbas rescisórias ou horas extras, ainda acredita-se que realmente apenas com a mudança na cultura patriarcal e machista é que os dados da desigualmente começarão a apresentar uma concreta redução.
No sábio lembrete da querida Daiana Allessi¹, não há como pensar a igualdade de gênero se o conceito de masculinidade não for reconstruído, pois essa atribuição de papéis sociais acaba por impactar diretamente nas relações entre homens e mulheres, e não seria diferente com a questão salarial. Desnecessário comentar sobre toda a recente polêmica envolvendo coaches de masculinidade e suas milagrosas red pills…
Mas o momento não é apenas de reflexões e lamúrias, pois reconhecemos que houve também inegáveis avanços nos direitos das mulheres quando damos uma espiadela no retrovisor. Em pouco mais de 90 anos, passamos do tão sonhado direito ao voto (1932), para a possibilidade de trabalharmos fora sem autorização do marido, o direito à herança e a possibilidade de ter acesso à guarda dos filhos, em caso de separação, conquistas do Estatuto da Mulher Casada, de 1962, até a igualdade formal plena, assegurada pela Constituição de 1988.
Como diz o ditado gaúcho, não está morto quem peleia, e assim vamos passar por mais esse mês de março, conscientes sim, mas esperançosos também, sonhando com o dia em que nossos descendentes, quem sabe, netos e netas, conhecerão apenas nos livros de história sobre a sociedade machista e discriminatória que um dia o país foi.
E viva todas as mulheres! E que possam permanecer assim, vivas, em toda a expressão da palavra que a língua portuguesa conhece.
Thais Poliana de Andrade é professora universitária, advogada trabalhista, sócia da Rocha Pombo, Andrade & Capetti Advogados, esposa e mãe de três crianças muito amadas.
¹https://paranaportal.uol.com.br/sobre-todas-e-cada-uma-de-nos/a-caixa-de-adam, acessado 31.03.2023.