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Nova Lei prevê obrigações para empresas de aplicativo de entrega

08

jan

Nova Lei prevê obrigações para empresas de aplicativo de entrega

por Breno Aurelio Bezerra Nascimento

Foi publicada em 06/07/2022 a Lei 14.297/2022, que traz uma série de obrigações para as empresas de aplicativo de entrega atuantes no Brasil, além de algumas exigências que devem ser observadas para os estabelecimentos que se utilizam destes aplicativos. 

A Lei conta com um marco para sua duração, produzindo seus efeitos enquanto durar a pandemia da Covid-19, ou seja, enquanto não for formalmente declarado o término da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional pelo Sars-CoV-2. Vale ressaltar que a Lei já se encontra vigente, de modo que as empresas já devem se adequar à nova norma. 


Novas obrigações

A nova normativa é bastante sucinta e objetiva naquilo que se propõe, e visa, em linhas gerais, proteger e trazer algumas garantias extras ao entregador que presta serviço de entrega por aplicativo.

O ponto que mais chama a atenção é a necessidade de as empresas de aplicativo de entrega contratarem seguro contra acidentes para seus entregadores, sem franquia e com cobertura exclusiva para acidentes pessoais, invalidez temporária ou permanente e morte que venham a ocorrer durante o período de retirada e entrega de produtos e serviços.

Por ser comum os entregadores atuarem para mais de um aplicativo simultaneamente será responsável aquela empresa cuja entrega se encontrava em curso no momento da ocorrência. 

Além disso, caso o entregador precise de assistência médica em razão de infecção por Covid-19, a empresa de aplicativo deverá assegurar afastamento remunerado por período mínimo de 15 dias, podendo ser prorrogado por outros dois períodos iguais de 15 dias caso o entregador apresente declaração médica neste sentido. A assistência financeira será no valor médio dos últimos três pagamentos mensais recebidos por esse entregador.

Paralelamente, será obrigatório o fornecimento de informações sobre os riscos de contaminação da Covid-19 e sobre os cuidados necessários para prevenção. As empresas deverão fornecer máscaras e material higienizante, ou reembolsar e adiantar valores caso prefira que o próprio entregador adquira tais materiais. 

Também será necessário que as empresas informem, com clareza, as hipóteses bloqueio, de suspensão ou de exclusão da conta do entregador da plataforma eletrônica, e que, caso a exclusão ocorra, o entregador seja notificado com antecedência mínima de três dias, esclarecendo-se os motivos que levaram à tomada dessa decisão.

Por fim, as empresas que se utilizam dos aplicativos de entrega também contam com novas obrigações oriundas da Lei: deverão permitir que os entregadores utilizem as instalações sanitárias de seus estabelecimentos, além de fornecer acesso a água potável. 

Caso as empresas de aplicativo de entrega ou mesmo aquelas que se utilizam dos serviços descumpram os termos da Lei, poderão sofrer advertências e, em caso de reincidência, multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por infração cometida.


A nova Lei não é isenta de polêmicas 

Apesar de serem inegáveis as dificuldades enfrentadas pelos entregadores na prestação de seus serviços, principalmente pelos condutores de motocicletas (responsáveis pela absoluta maioria das entregas feitas no Brasil) e que correm riscos maiores de sofrer acidentes de trânsito, tem se ponderado se as obrigações trazidas pela nova Lei não apresentarão ônus financeiro excessivo às empresas de aplicativos de entregas. 

Isso porque, via de regra, as empresas de entrega por aplicativo possuem inúmeros entregadores associados, justamente porque a grande maioria presta serviços para diversas plataformas de forma concomitante – o que foi inclusive levado em consideração pela legislação ao estabelecer critérios relativos à responsabilidade pelo acionamento do seguro em caso de acidente. 

Assim, na prática, as empresas terão que assumir o ônus de contratar seguros para um número muito maior de entregadores em comparação a uma empresa “normal” com relação a seus empregados, o que pode tornar elevadíssimo o custo pela aquisição desses seguros e pelo pagamento do afastamento. 

Ainda não sabemos se o impacto financeiro de se contratar seguro contra acidentes para todos os entregadores prejudicará, de alguma forma, a viabilidade do negócio dessas empresas, ou se o custo para contratação do seguro e fornecimento de afastamento remunerado em caso de infecção por Covid-19 será repassado para o usuário final, com aumento nos valores das taxas de entrega ou deduzido do valor recebido pelo entregador em cada pedido transportado. Fora isso, há quem entenda que a legislação transfere as empresas de entrega por aplicativo um ônus que deveria ser do Estado no sentido de garantir a saúde e a assistência médica/previdenciária com relação aos entregadores, além de fazer com que algumas empresas tenham que pagar por afastamentos médicos decorrentes de acidentes que sequer aconteceram no período de prestação de serviços em seu favor. 

Outro ponto importante é que, apesar de visar proteger o entregador em situações pontuais, a Lei deixa claro que as benesses previstas em seu texto não servirão para caracterização de vínculo empregatício entre entregadores e empresas de aplicativos de entrega, não enfrentando, portanto, a tão discutida precarização do trabalho de entregadores e outros trabalhadores da gig economy e da “uberização” do trabalhador informal.

Apesar dessa previsão, fato é que o fornecimento de benefícios que se assemelham àqueles fornecidos a empregados pode ser encarada pelo Judiciário como elemento para facilitar a caracterização do vínculo de emprego, especialmente quando isso for acompanhado de outros elementos típicos da relação empregatícia, como controle de horários, definição da forma de trabalho, dentre outros. 

Some-se a isso o fato de que a maioria dos ministros da 03ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho recentemente se posicionou pelo reconhecimento de vínculo de motoristas com o aplicativo UBER, o que, apesar de ainda não ser um posicionamento definitivo sobre o assunto, já que ainda não houve decisão definitiva neste caso em referência¹, já é um indicativo com relação à direção que o Tribunal vai seguir em casos semelhantes. 

Também se destaca que a Lei conta com um prazo para deixar de produzir seus efeitos, durando tão somente enquanto viger no país Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional pelo Sars-CoV-2. 

Apesar de justificável o encerramento da assistência financeira em caso de contaminação pelo Covid-19 após o encerramento da pandemia, as outras obrigações da Lei não se relacionam com a atual situação sanitária do país, sendo defensável que obrigações como contratação de seguro contra acidentes, transparência no processo de exclusão da plataforma e acesso a instalações sanitárias e água potável permaneçam mesmo após o término da pandemia. 

Coincidentemente, no mesmo dia da publicação da nova Lei, a plataforma Uber Eats (que se caracteriza como uma empresa de aplicativo de entrega) anunciou que encerrará sua operação no Brasil a partir de 06 de março de 2022. Apesar do principal indicador do encerramento das atividades ser a forte concorrência no mercado brasileiro (a plataforma iFood domina mais de 70% deste mercado), não se descarta a hipótese de que a nova Lei, associada à nova tendência do judiciário sobre o assunto, leve outras empresas a tomarem decisões semelhantes no futuro. 

 

¹ Votos proferido pelo Ministro Relator, Maurício Godinho Delgado, e acompanhado pelo Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira no processo nº 100353-02.2017.5.01.0066. O processo foi retirado em vistas pelo Ministro Alexandre Agra Belmonte e ainda não houve decisão oficial.