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Síndrome de burnout como doença do trabalho

20

jan

Síndrome de burnout como doença do trabalho

por Danielle Blanchet

No ano de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu, em sua 72ª Assembleia Mundial, que a síndrome de burnout, comumente caracterizada por intenso esgotamento físico e mental relacionado às atividades de trabalho, passaria a ser considerada como doença do trabalho. A mudança foi aprovada pelos Estados Membros somente em 2021 e entrou em vigor nesse mês de janeiro de 2022, trazendo muitas dúvidas ao empregador.

Contudo, apesar da mudança de entendimento estar sendo tratada como novidade, a discussão quanto à responsabilidade do empregador pelo adoecimento mental de seus colaboradores já é antiga e, trazendo essa discussão para o âmbito da legislação brasileira, alguns conceitos legais que precisamos entender para que seja possível compreender em que situações a empresa pode ser considerada responsável por esse adoecimento.

A Lei nº 8.213/1991 – velha conhecida do empresariado - regulamenta, dentre outros pontos, todo o contexto de afastamento previdenciário dos segurados do INSS e define que o empregado que sofre acidente de trabalho, ou é acometido por doença relacionada às atividades laborativas, tem direito à estabilidade provisória no emprego, pelo período de 12 meses contados a partir da cessação do recebimento do auxílio-doença acidentário.

Os artigos 19, 20 e 21 dessa Lei preveem algumas diferentes modalidades de acidente e de doenças equiparadas a acidentes para fins previdenciários, dentre as quais podemos citar as seguintes:


(i)        Doença do trabalho: não necessariamente são adquiridas em função da atividade profissional, mas que podem ter sido causadas ou agravadas em virtude do trabalho.

(ii)       Doença profissional ou ocupacional: são aquelas desenvolvidas em função de atividades específicas que envolvem riscos pré-determinados e relacionados diretamente com algumas doenças. Aqui, há uma presunção de nexo entre atividade de trabalho e doenças pré-definidas, proveniente do cruzamento entre o CID da doença apresentada e a classificação da atividade empresarial conforme o CNAE.


Assim, diferentemente de doenças profissionais, que são aquelas em que há uma presunção quanto à responsabilidade do empregador de modo geral, as doenças do trabalho demandam uma análise individualizada quanto às condições de trabalho do empregado para que se chegue à conclusão quanto à existência ou não de nexo e quanto à contribuição do empregador por seu adoecimento.

Por isso e apesar do alvoroço que se formou em torno do tema, a classificação do burnout como doença do trabalho não gera uma responsabilidade automática da empresa com relação a empregados adoecidos, tampouco garante estabilidade ou direito de indenizações a esses empregados, já que essas consequências dependem da análise, caso a caso, acerca da contribuição (ou não) do empregador e das condições de trabalho para surgimento ou agravamento da doença.

Muito embora seja possível que o próprio médico perito do INSS constate a existência de nexo entre doença e atividade de trabalho, é extremamente comum que a existência deste nexo causal seja suscitada apenas por meio da via judicial, mais especificamente por meio de reclamatórias trabalhistas, incumbindo ao empregado a prova quanto à existência desse nexo.

De todo modo, ainda que o empregador não seja automaticamente responsabilizado por empregados que sofrem de burnout, isso não é motivo para que as empresas “abaixem a guarda” no cuidado com a saúde mental de seus colaboradores.

Em primeiro lugar, porque, como a própria OMS reconheceu, essa doença normalmente se relaciona ao trabalho e não costuma ser uma tarefa tão difícil a comprovação de que as demandas do empregador causaram ou agravaram a doença. Isso sem considerar que, por se tratar de doença que normalmente se relaciona com as atividades laborativas, pode haver certa pré-disposição do Poder Judiciário em reconhecer a responsabilidade da empresa.

Em segundo lugar, porque há posicionamento já definido por parte do próprio Supremo Tribunal Federal no sentido de que, quando a atividade explorada pela empresa expõe o empregado a um risco maior do que o risco ao qual estão submetidas as pessoas de modo geral, a responsabilidade da empresa é objetiva, ou seja, independe da conduta do empregador, bastando que haja dano e nexo entre esse dano e a atividade laborativa.

Há atividades em que esse risco acentuado é mais claro, como a exploração do trabalho em minas, plataformas de petróleo e atividades nucleares, porém isso pode ser muito nebuloso em outras situações, especialmente quando tratamos de transtornos mentais. Há doenças mentais que podem ser causadas por fatores hereditários, eventos familiares e situações pessoais, ao mesmo tempo em que também pode haver efetiva contribuição das atividades de trabalho no desenvolvimento ou agravamento desses transtornos, o que acaba tornando a análise bastante subjetiva em alguns casos.

Quais são as atividades com maior risco no que diz respeito à saúde mental? Hospitais, escolas, empresas que trabalham com telemarketing...? Não há uma resposta certa para essa pergunta, o que deixa margem para interpretações das mais diversas e, consequentemente, gera uma enorme insegurança jurídica sobre o assunto.

Um exemplo muito próximo dessa subjetividade é a própria pandemia. Esse período tão crítico - e ainda em curso - acabou mudando profundamente as relações de trabalho e fazendo com que diversas empresas passassem a adotar o trabalho remoto como regra. Muito embora já houvesse algumas delas que, mesmo antes de 2020, já adotassem essa sistemática de trabalho, essa não era a realidade da maior parte das empresas e a mudança foi muito abrupta em diversos casos, o que trouxe inúmeras dificuldades práticas, entre elas a dificuldade dos empregados em definir de forma clara e objetiva os limites entre a vida pessoal e a vida profissional e uma consequente sobrecarga de trabalho. Houve, ainda, gestores que não estavam preparados para lidar com essa situação e acabaram “forçando a barra” nas cobranças, com receio de uma eventual queda de produtividade em virtude da ausência do trabalho presencial.

Pensando nesse contexto, seria possível, portanto, que todos os casos de adoecimento por burnout no período da pandemia sejam considerados objetivamente como doenças do trabalho? Parece-nos que não, mas questões subjetivas sempre abrem espaço para diversos entendimentos.

Dessa forma, pensando não apenas em uma possível produção de provas em âmbito judicial, mas também – e principalmente – na manutenção da saúde dos empregados para que não haja adoecimento mental, ou ao menos para que esses casos sejam realmente isolados, é muito importante que os empregadores estejam atentos e adotem medidas preventivas com relação ao assunto.

A primeira cautela - bastante importante aos olhos do Judiciário - é o respeito ao limite de jornada e a realização de constantes treinamentos quanto à importância das pausas no dia a dia. Também é importante que a empresa treine seus gestores para que não haja cobranças excessivas, utilização de linguagens inapropriadas e para que eles consigam conduzir as atividades de modo a não ultrapassar a capacidade física e mental de seus subordinados.

Outra possibilidade que costuma surtir efeitos positivos é a aplicação de pesquisas internas como ferramenta para entender como é a sistemática de trabalho em todos os níveis da empresa e alinhar estratégias. É muito importante que isso seja realizado sempre com apoio de equipe de saúde especializada e de forma muito alinhada com equipe jurídica, recursos humanos e gestores, para que sejam colhidas informações específicas e relevantes para o objetivo proposto, bem como para que as perguntas sejam realizadas de forma adequada e não prejudiquem a empresa.

Evidente que isso demanda uma maturidade muito grande por parte da empresa, já que, com conhecimento objetivo dos problemas, ela deve estar preparada para resolvê-los ou ao menos para empregar esforços para isso. E os remédios podem ser amargos: é possível que haja custos para melhoria do ambiente de trabalho, que seja necessário demitir aquele gestor em que a empresa apostava suas fichas, dentre outros bastante sensíveis. Contudo, é uma ferramenta de prevenção muito interessante e que pode trazer benefícios a médio e longo prazo.

Como não há legislação específica que aborde o assunto, o céu é o limite quando se trata de prevenção de doenças mentais no ambiente de trabalho e o empregador deve usar sua costumeira criatividade, assim como o conhecimento do negócio, a seu favor no momento de definir quais estratégias serão adotadas no combate não apenas ao burnout, mas a todo e qualquer transtorno mental que possa se relacionar em alguma medida com o trabalho.