Conteúdo

Vacinação e trabalho – quais os limites de atuação do empregador?

28

ago

Vacinação e trabalho – quais os limites de atuação do empregador?

por Douglas Aquino Fernandes

Com o avanço da vacinação para combate e prevenção à COVID-19 em território nacional, muitas dúvidas surgem sobre a repercussão dessa medida no tratamento e gestão de pessoas do quadro funcional das empresas.

Como lidar com os empregados que se negarem a vacinar? Posso aplicar justa causa? É possível restringir os processos seletivos aos candidatos vacinados? É lícito realizar pesquisa de vacinados dentro da empresa?

O artigo dessa semana responde as dúvidas mais frequentes dos empregadores relacionadas à vacinação de empregados contra a COVID-19. Confira no blog do RPAC!

É chegada a hora de se vacinar contra a COVID-19. A cada dia milhares de pessoas são agraciadas com a oportunidade de se imunizar em todo o Brasil e, conforme o percentual de vacinados avança, novas discussões sobre a repercussão da vacinação nas empresas vão surgindo.

Um bom exemplo é a questão da obrigatoriedade da vacinação. Para responder às dúvidas objetivas relacionadas ao tema, é necessária uma breve contextualização.

A Lei 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, em seu artigo 3º, III, “d”, prevê que para o enfrentamento da emergência de saúde pública, as autoridades poderão adotar a determinação de realização compulsória de vacinação e outras medidas profiláticas.

A lei foi objeto de questionamentos no Judiciário e o tema foi enfrentado no final de 2020 pelo Supremo Tribunal Federal, quando julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.586/DF.

 

O plenário do STF decidiu que:

i)                    Vacinação compulsória não significa vacinação forçada. Ou seja, exige-se sempre o consentimento do usuário. Contudo, pode ser implementada por medidas indiretas, a exemplo da restrição ao exercício de certas atividades ou a frequentar determinados lugares, desde que essas medidas sejam previstas em lei, ou dela decorrentes e:

a.       Tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes;

b.       Venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes;

c.       Respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas;

d.       Atendam aos critérios da razoabilidade e proporcionalidade;

e.       Sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente.

ii)                   Tais medidas podem ser implementadas tanto pela União, como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as suas esferas de competência.

Ou seja, nas localidades em que não haja legislação que determine tais sanções, é vedada a imposição de quaisquer restrições àqueles que não estiverem vacinados. A previsão de limitações de acesso a locais públicos e privados ainda é rara em território nacional, mas a Prefeitura do Rio de Janeiro publicou hoje três Decretos que abordam a comprovação da vacinação, sendo que um deles exige a sua constatação para permitir o ingresso do indivíduo em locais de uso coletivo¹. As medidas passam a viger a partir de 1º de setembro.

Passada a contextualização, vejamos como essa situação pode se aplicar à relação contratual entre empregado e empregador, já que, embora haja base científica de que os empregados que não tenham sido vacinados possam colocar em risco os demais trabalhadores e a coletividade, não há consenso acerca das medidas que podem ser adotadas nas hipóteses de recusa à imunização. Mas, afinal, é seguro demitir por justa causa um colaborador que se negue a vacinar?

 

1. É possível demitir por justa causa empregados que se neguem a vacinar?

Não há resposta simples para este questionamento.

Há parcela de juristas que defende a possibilidade de dispensa de empregados que manifestem a recusa, com argumentos fundamentados e bem construídos, especialmente no sentido da proteção do meio ambiente do trabalho. O próprio Ministério Público do Trabalho já emitiu parecer no sentido de que é possível a dispensa por justa causa nesta hipótese, muito embora o seu entendimento não seja vinculante – ou seja, não obrigue os tribunais a decidirem conforme essa orientação.

Ainda, no mês de julho, o Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, ao julgar o processo nº 1000122-24.2021.5.02.0472, validou a dispensa por justa causa de trabalhadora de hospital que se recusava a se vacinar. Na fundamentação, os desembargadores destacaram o trabalho de conscientização e comunicação realizado pela empresa. Também pesou na decisão o fato de tratar-se de empresa ligada à saúde, onde a vacinação se torna ainda mais importante para a garantia da segurança da coletividade.

Contudo, esse ainda é um posicionamento isolado, sendo necessário esperar para confirmar se o entendimento será regra, ou exceção.

Por outro lado, há parte dos juristas que entende que, sob o ponto de vista técnico e levando em consideração o posicionamento do STF acerca da compulsoriedade da vacina, não caberia ao empregador forçar o empregado a se vacinar, ainda que essa recusa ofereça perigo aos demais colaboradores, ao menos enquanto ainda não há regra estatal disciplinando a obrigatoriedade da imunização em âmbito local.

Isto porque, segundo essa corrente, as sanções às pessoas que se neguem a vacinar apenas podem ser previstas em Lei, não cabendo à empresa estipular tal obrigatoriedade.

Portanto, embora seja defensável a dispensa por justa causa de trabalhadores que neguem a vacina, a questão ainda é nebulosa, razão pela qual se trata de um caminho ainda arriscado, pois a empresa estaria à mercê do entendimento posterior dos tribunais sobre se é, ou não, uma resposta excessivamente penosa ao empregado.

Para evitar tais problemas, a medida mais importante no momento é a conscientização dos empregados, o que poderá, inclusive, servir como defesa futura para as empresas que enfrentarem questionamentos judiciais.

Pode-se cogitar também o desligamento sem justa causa, ainda que isso traga um ônus financeiro para a empresa. A pactuação quanto à continuidade do teletrabalho por essas pessoas também poderia ser uma alternativa para evitar a exposição e o contato com outros empregados.

Assim, a questão deve ser analisada caso a caso, de acordo com o grau de risco que a empresa está disposta a enfrentar, bem como com a área e tipo de atividade realizada, o que certamente servirá como parâmetro relevante em futuras ações judiciais.

 

2. É permitido o empregador exigir o comprovante de vacinação da COVID-19?

Por ser uma garantia da segurança tanto dos empregados, quanto da coletividade, é possível e muito defensável que o empregador solicite que seus colaboradores apresentem o comprovante de vacinação, até para que seja possível mapear quanto são aqueles que ainda não se vacinaram e desenhar uma estratégia capaz de garantir a segurança na operação da empresa de modo geral.

 

3. É possível que a empresa faça uma pesquisa interna para verificar quem se vacinou?

A pesquisa elaborada internamente parece ser de grande importância, eis que, com a sua realização, a empresa terá um levantamento concreto do número de empregados que ainda não se vacinaram, e também dos motivos específicos da recusa. Através da pesquisa aplicada, a empresa poderá mapear os seus colaboradores para definir a melhor estratégia para proteger o meio ambiente do trabalho, seja por meio de reforço nas ações de conscientização ou da adoção de medidas específicas com relação aqueles que não se imunizaram (teletrabalho, por exemplo).

 Contudo, não há como forçar o colaborador a responder a pesquisa. Ainda, as informações prestadas não podem ser divulgadas em hipótese alguma, especialmente considerando que os dados sobre a vacinação são sensíveis, nos termos da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), de modo que o seu tratamento requer cuidados especiais. A colheita dessas informações deve servir a finalidades específicas, como, neste caso, à proteção à incolumidade física do próprio empregado e de terceiros, já que o mapeamento dos colaboradores imunizados servirá como pilar para que a empresa consiga traçar um caminho seguro para o retorno às atividades presenciais.

 

4. É possível restringir processos seletivos apenas a candidatos vacinados?

Na mesma linha de raciocínio das perguntas anteriores, é justificável a inclusão de critério relacionado à vacinação em processos seletivos, especialmente quando a área de atuação esteja relacionada à saúde e as atividades contemplem grande contato com o público, por exemplo. É importante que a inclusão do critério seja justificada, preferencialmente vinculada ao dever da empresa em preservar o bem estar e a saúde da coletividade de empregados que compõe o seu quadro.

Todavia, dada a sensibilidade do assunto, é necessário ter em mente que tal comportamento poderia ser interpretado como discriminatório, especialmente em um momento em que não há disponibilização de vacinas a todas as faixas etárias gratuitamente (tal como exigido pelo STF), podendo significar cerceamento de acesso ao mercado de trabalho daqueles que ainda não puderam se vacinar pela respectiva faixa etária. Lembramos, ainda, que não há na maioria das cidades brasileiras qualquer legislação que imponha restrições objetivas às pessoas não vacinadas, o que também poderia contribuir com essa interpretação.

Com a universalização do acesso à vacinação, o risco acaba sendo reduzido em certa medida, porém ainda deve ser levado em consideração pelos empregadores nos processos seletivos, especialmente porque a questão jamais foi enfrentada pelo Judiciário, ou sequer há posicionamento minimamente consolidado sobre a matéria.

Grandes empresas já estão adotando a obrigatoriedade de vacinação como um requisito para os seus empregados. É o caso da companhia aérea GOL, que recentemente anunciou que aplicará o critério a partir de novembro de 2021, avaliando exceções individualmente[2]. A empresa é a primeira de grande porte a anunciar tal medida.

 

5. É possível incluir a vacina contra a COVID-19 como exigência no PCMSO?

A inclusão da vacina contra a COVID-19 como exigência no Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional - PCMSO pode servir para corroborar e reafirmar a sua obrigatoriedade para os empregados, segundo o entendimento do Ministério Público do Trabalho exarado no “Guia Interno do MPT sobre Vacinação da COVID-19”[3].

 No entanto, em face da ausência de doses suficientes para toda a população brasileira em idade laboral, pode ser inviável a imediata inclusão da vacina no PCMSO do ponto de vista prático, posto que a demanda de imunização não poderia sequer ser cumprida integral e satisfatoriamente.

 Além disso, incluir a vacina contra a COVID como exigência no PCMSO pode ensejar a conclusão precipitada – e equivocada - de que o ambiente de trabalho possui o vírus (agente biológico) como risco ocupacional da função do colaborador, o que pode ser até prejudicial para a empresa, já que isso facilitaria o reconhecimento de nexo causal entre eventuais contaminações de empregados e as atividades laborativas mesmo em situações nas quais, pela rotina prática do labor desenvolvido, esse nexo não seria necessariamente presumido. 


¹ https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/08/27/boletim-34-medidas-comprovacao.ghtml
² https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/08/vacina-contra-a-covid-19-sera-obrigatoria-na-aerea-gol-a-partir-de-novembro.shtml
³ https://mpt.mp.br/pgt/noticias/estudo_tecnico_de_vacinacao_gt_covid_19_versao_final_28_de_janeiro-sem-marca-dagua-2.pdf